août 2008


Soberba estrada atalhada na linguagem
Que leva aos turvos requintados labirintos
Até a nascente dos motivos e rebuscados instintos
Candeia qu’ilumina a alma na paragem

Dolente andança por templos e paços
Colecionando reminiscências da viagem
A formar a consciência e seus regalos
Brigando, impaciente, com a bagagem

Claudica, pede esmola mas não pára
Impõe urgência no fazer da sua vontade
E se esfola no dizer que se resvala

Por fim constrói, altiva, a liberdade
Expôe a essência idiossincrásica
E experimenta aquela alegria básica

Considera-se um indivíduo maduro aquele cujos principais determinantes de comportamento são um conjunto de traços organizados e congruentes que surgiram de um equipamento motivacional esparso característico do infante.

Allport dizia que « aquilo que dirige o comportamento, dirige agora », não sendo necessário conhecer a história do impulso para podermos compreender sua operação. Em grande parte, o funcionamento desses traços é consciente e racional. O indivíduo normal sabe por que faz e por que não faz as coisas. Seu comportamento ajusta-se a um padrão congruente. Não é possível compreender o indivíduo sem uma visão de seus objetivos e de suas aspirações. Seus motivos mais importantes não são ecos do passado, mas desafios do futuro. Em muitos casos, sabe-se o que a pessoa fará se se conhecer seus planos conscientes, mais do que suas memórias reprimidas.

Allport admite que esse quadro é idealizado. Nem todos os adultos  alcançam a plena maturidade. Há adultos cujas motivações conservam traços infantis. Nem todos os adultos parecem guiar seu comportamento em termos de princípios claros e racionais. Contudo, se sabemos até onde eles evitam a motivação inconsciente e até que ponto seus traços são independentes das origens infantis, temos a medida de sua normalidade e de sua maturidade. Somente em indivíduos seriamente perturbados encontraremos adultos agindo sem saber por que, cujo comportamento está mais intimamente ligado a ocorrência da infância do que a acontecimentos do presente ou do futuro.

Em contraste com a maior parte dos teóricos da personalidade, cujo interesse predominante se volta para o lado negativo do ajustamento, Allport leva em conta as qualidades que determinam um ajustamento mais do que simplesmente « normal » ou « adequado ». A personalidade madura deve ter, acima de tudo, uma extensão do self, isto é, sua vida não deve estar estreitamente ligada a atividades relacionadas com suas necessidades imediatas e com seus deveres. Tal personalidade deve ser capaz de envolver-se em uuma ampla variedade de atividades. Suas satisfações e frustrações devem ser muitas e diversas em vez de poucas e estereotipadas. Uma parte importante dessa extensão do self envolve projeção no futuro – planejamento, perspectiva.

Para alcançar a maturidade, o indivíduo deve também possuir auto-objetivação. Allport acredita que existem dois principais componentes desse atrivuto, humor e discernimento. O discernimento refere-se à capacidade do indivíduo para compreender-se, embora não se conheça um padrão adequado com o qual possam ser comparadas as opiniões do indivíduo. O senso de humor inclui não apenas a capacidade para ter alegria e prazer nos momentos próprios, como também a habilidade para manter relações positivas consigo mesmo e com os objetos amados e, ao mesmo tempo, descobrir as incongruências e os absurdos a eles relacionados.

A maturidade implica a posse de uma filosofia de vida. Embora o indivíduo deva ser capaz de objetividade e ainda capaz de tirar proveito das ocorrências de sua vida, ele deverá manter uma linha de completa seriedade, que dê propósito e significado a tudo quanto faça. A religião representa uma das fontes mais importantes de filosofias unificadoras, mas não a única.

Análise crítica:

Allport representa um dos poucos teóricos que provê uma ligação efetiva entre psicologia acadêmica e suas tradições e o campo da psicologia clínica e da personalidade. Essa continuidade enriquece as subdisciplinas e ajuda a manter a continuidade intelectual no desenvolvimento da psicologia. Allport adverte que o passado não explica tudo a respeito do indivíduo, pois a psicanálise ou o clínico muitas vezes esquecem a importância dos determinantes do momento e dos que hão de vir, em favor da determinação histórica. Por outro lado, a teoria de Allport não é adequadamente formal para permitir a comprovoção empírica de proposições. A teoria presta-se mais à tentativa de explicar as relações conhecidas do que a predizer ocorrências não observadas. É falha como recurso formal para produzir pesquisas. Allport volta-se inteiramente para o lado psicológico, para o inter-relacionamento de todo o comportamento, porém não reconhece o inter-relacionamento do comportamento e da situação ambiental na qual opera o comportamento. Allport atribui muita importância ao que ocorre dentro do organismo e dispensa pouca atenção ao impacto sedutor e coercitivo das forças externas. Faltou-lhe uma visão mais ampla no sentido antropológico e sociológico para melhor situar sua teoria na realidade.

Bibliografia:

– G. Allport. A personalidade madura. In: Personalidade. p.345-385. ed. E.P.U. e EDUSP. SP. 1961

À medida que a história da civilização avança, as formas de dominação vão se transformando e se adaptando aos interesses e exigências de cada época. Mas o exercício de poder nunca deixou de existir. Desde suas origens, as relações sociais já possuíam contradições e conflitos de interesses.

A modernidade e o futuro próximo são caracterizados pela transição de uma forma de dominação designada disciplinar para a dominação de controle, na qual a diferença básica consiste na expansão do controle exercido sobre a população de sistemas fechados, como as escolas, hospitais, empresas para um controle mais sutil e abrangente exercido sobre a subjetividade, a interioridade de cada cidadção.

Na sociedade disciplinar, há uma supervalorização do trabalho, do esforço fatigante e da superprodução. A filosofia de vida do trabalhador é estar sempre se superando e produzir cada vez mais e melhor. Já a sociedade de controle privilegia a venda e a imagem dos produtos, valoriza a produtividade independente e se foi preciso um grande ou pequeno esforço para tal.

A empresa moderna percebeu que o domínio era mais eficiente a partir do incentivo às pessoas fazerem o que desejam e que também seria interessante para a empresa, pois os indivíduos são naturalmente ambiciosos e desejam ser produtivos, eficientes e, assim, aprovados pelos demais.

A sociedade moderna investe no potencial humano, na inovação, no trabalhador participativo, comunicativo e motivado a tomar iniciativas que lhe beneficiem e também à empresa e à venda de seus produtos.

A subjetividade tornou-se um objeto de estudo, investimento e fonte de novos problemas e doenças na sociedade, conforme os valores – que são subjetivos – e a autoridade – que representa os limites que cada cidadão não deve ultrapassar – tornam-se cada vez menos palpáveis e determinados e tudo começa a ser questionado. As opções de escolha das pessoas aumentam , assim como os conflitos e responsabilidades relativas ao livre-arbítrio.

As relações ficam mais complexas, os sexos quase se igualam quanto a direitos e deveres, não se sabe mais qual papel é de quem e, assim, surgem também as psicopatologias da modernidade, como a neurose da excelência, depressão, ansiedade, transtorno do pânico, bulimia, anorexia…

O corpo humano possui um valor como nunca teve antes. Contraditoriamente, também é objeto de agressão como nunca. A forma de dominação deixa de ser repressora e proibitiva e passa a ser incitadora dos instintos – da ética do dever para a ética do desejo, a mentalidade torna-se libertária, narcisista, competitiva ao extremo.

A importância da mídia é fundamental no exercício de poder contemporâneo. O sujeito é cercado por todos os lados por propagandas, informações que quer e que não quer e fica mais imperceptivelmente à mercê dessa « era da tecnologia », pois é preciso aderi-la para sobreviver na sociedade capitalista. Difícil é conseguir manter-se sujeito dono de si, com certo controle e consciência de seu tempo, espaço, de sua vida, sem se entregar de corpo e alma a todas as exigências da cultura.

O filme « O show de Truman » – show da vida no qual o diretor produz um show 24 horas, sendo o personagem principal alienado da verdadeira realidade de sua vida e submetido a viver a história que lhe foi imposta sem ter consciência de que sua vida é um palco de divertimento para o resto do mundo – é um bom exemplo desse controle sutil e bastante sedutor dos meios de comunicação. O diretor manipula a curiosidade dos espectadores, argumentando que Truman vive em um paraíso onde qualquer um gostaria de viver. No fim do filme, Truman descobre a farsa e chega à porta que delimita o mundo externo e o que o manteve trancado por todos os anos. É interessante notar que nessa hora o diretor diz que conhece Truman mais do que ele próprio e sabe que Truman está com medo e que não vai sair pela porta porque pertence àquele mundo. É aí que o personagem rompe a relação de controle e mostra que, apesar de sua vida ter sido analisada pelo diretor o tempo todo, ele é um sujeito com pensamento e idéias próprios e capaz de escolher o caminho que deseja seguir.

A sociedade atual vive, portanto, um período de mudanças e instabilidades, marcado por progressos notáveis assim como novos problemas. Cabe a cada sujeito não se deixar encaixar em rotulações ou perspectivas muito pessimistas ou muito otimistas e lutar para construir uma percepção real, porém não sem esperanças, da vida e poder aproveitar as oportunidades de prazer que lhe são oferecidas, sempre considerando a natureza e o contexto em que está inserido. (suite…)