psicanálise


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Nada dói mais, nada é mais abissal que o vento abrasador da loucura. Ela vive uma terrível subjetividade. Em suas vísceras surtia a crise aversiva, suspeitosa, desesperada. A sua vocação era o subterrâneo, parúsia de sustos e dor.

Pensar dói. O cotidiano fere quando se sabe ser de alturas onde asa alguma cruzou e se conhece abismos onde pé algum jamais se extraviou. É preciso não ter nervos, ter apenas um ventre feliz.

Loucura não enquadra em tempo, história e sociedade. É: desdobrar, demolir, dezarrazoar, anular, dissolver, desbaratar a dialética e a verdade, sem sujeito, a soçobrar a ordem do jogo do acaso, de forças diferentes e intensivas, máscaras de desrazão.

Flutuações do de fora escapam, transbordam, quase um véu de arte, da interpretação da vida e dos valores. Desordem informe, desarticulada, feia, burra, o vazio ressonante da potência de um gesto.

E a intenção era ser humilde e doce de coraçãoQue malogro!

Jornal O Rebate – 78 anos fazendo história!

viaQuanto à violência, o que pode fazer a ciência?.

por Tania Montandon

Lacan dizia, em 1949, que a loucura seria algo vivido inteiramente no registro do sentido – definição feita a partir do delírio, que seria uma reconstituição do sentido perdido pelo sujeito lá onde ocorreu uma dissolução imaginária do mundo. Para Freud, isso ocorria quando o enfermo retira das pessoas e do mundo externo todo seu investimento libidinal(de energia), fazendo com que tudo se torne indiferente e como se não houvesse relação alguma com ele- o delirante, eis porque ele sente esta necessidade urgente(tentativa de cura) de explicar para si o universo- aqui começa a elaboração do delírio.

Esse trabalho de explicação do universo é o único meio pelo qual o sujeito pode voltar a encontrar sentido pra sua vida. Sentido esse que está fora daquele entendido pela norma simbólica do Complexo de Édipo, norma que rege a busca do sentido nos neuróticos, ligada à sexualidade basicamente.

 

O sentido seria a « categoria do imaginário que responde ao significante que é do registro simbólico. O efeito de sentido é produzido pela fixação de um significante a um significado. »(Quinet) Quando pego um objeto e o nomeio, construo uma representação desse objeto na minha mente( o objeto seria mais ou menos o significante, enquanto a representação que construo a partir dele seria o significado, por exemplo). Assim, quando me deparo com o nome ‘objeto’ novamente, imediatamente o associo àquele objeto. Essa representação imediata do objeto é o que Kant chama de intuição.

Os fenômenos de sentido se apóiam na função simbólica da linguagem e essa divisão entre significante e significado é o que se usa pra tentar explicar a psicose pela ótica lacaniana. Na neurose, a intervenção da funçao paterna e introjeção da consciência moral e da « lei que proíbe o incesto » possibilita que o sujeito produza uma significação da sexualidade(diferente de sexual, mais no sentido de energia, interesse) e seus investimentos que o guiarão em seu desenvolvimento e suas buscas até a idade adulta.

Já na psicose, esse processo falha e o sujeito não consegue articular essa simbolização. Então encontramos na psicose as construções produzidas por essa falha, o inconsciente fica como a céu aberto e há prevalência do significante. Entre essas construções estão a alucinação verbal(há o modelo do significante desprovido de significado, de sentido inteligível pela sociedade) como os pássaros miraculados de Schreber que não conhecem o sentido das palavras que enunciam; também os fenômenos da alusão, da perplexidade e da intuição – formas que o sujeito tenta trazer de volta ao Real os significantes a que não conseguiu atribuir significado, sentido, não conseguiu simbolizar. Seria o delírio, como formação imaginária, que traria sentido(ainda que não entendido pela sociedade) aos significantes que forçam sua volta ao Real.

« O sentido de um sintoma na neurose como na psicose não é um sentido comum – não há senso comum para o sintoma – ele é sempre singular. Por isso a psicanálise é o avesso do discurso do mestre que produz o senso comum, o sentido partilhado. A psicanálise deve levar o sujeito a produzir seu proprio sentido que não é comum. Se o sentido é imaginário, o imaginário não é pura imaginação, o imaginário dá consistência ao Real. O imaginário dá o efeito de sentido exigido pelo discurso analítico: efeito real. »(Quinet, in: Teoria e Clínica da Psicose)

O sentido se opõe ao equívoco, pois é sempre unívoco, singular, caracteristica do imaginário que detém a ambiguidade enigmatica do significante que retorna ao Real através dos fenômenos psicóticos.

adler

Alfred Adler nasceu de uma família de classe média em Viena, em 1870, e morreu na Escócia em 1937. Foi um dos fundadores da Sociedade Psicanalítica de Viena e depois seu presidente. Não demorou muito para que começasse a desenvolver idéias que divergissem das de Freud. Formou, então, seu próprio grupo, denominando-o grupo do sistema holístico da psicologia individual.

A abordagem criada por Adler compreende as pessoas como sendo totalidades integradas dentro de um sistema social. Sustenta a motivação do homem como sendo fundamentada pelas solicitações sociais. Para Adler, o homem procura contato com os outros, empreende atividades sociais em cooperação, põe o bem-estar social acima do interesse próprio, adquirindo um estilo de vida que é, predominantemente, orientado para o meio externo.

Adler manifesta uma preocupação biológica, tanto quanto Freud e Jung. Freud enfatiza o sexo, Jung os padrões primitivos de pensamento e  Adler o interesse social.

Adler cria alguns conceitos muito importantes para a psicologia da personalidade:

Selfcorresponde a um sistema altamente personalizado e subjetivo que interpreta e tornam significativas as experiências do organismo. É criador, unitário, consistente e soberano na estrutura da personalidade.

É algo que intervém entre os estímulos que agem sobre a pessoa e as respostas que ela oferece. O homem constrói  sua personalidade com a matéria-prima da hereditariedade e da sua experiência. O self criador dá sentido à vida; cria tanto o ideal como os meios de atingi-lo. É o princípio ativo da vida humana.

Estilo de vidacorresponde ao princípio do sistema pelo qual a personalidade funciona; é o todo que comanda as partes. É o princípio que explica a singularidade da pessoa. Cada pessoa tem um estilo de vida e não há dois iguais.

Todos têm o mesmo objetivo, a superioridade, mas há inúmeras maneiras de atingi-lo. Toda conduta de uma pessoa tem origem em seu estilo de vida. Este forma-se na infância, por volta dos quatro anos de idade e, daí por diante, as experiências são assinaladas e utilizadas de acordo com ele. É uma compensação para determinada inferioridade.

Luta pela superioridade corresponde ao objetivo superior do homem na sua luta contra os obstáculos: ser agressivo, poderoso superior.

“Superioridade é algo análogo ao conceito de self em Jung, ou ao princípio de auto-realização de Goldstein. É um esforço da personalidade no sentido de completar-se. É ‘a força que arrasta para cima.’” (Hall & Lindzey)

Todas as funções do homem seguem a direção da luta pela superioridade, que é inata, é um princípio dinâmico preponderante – uma luta pela plena realização de si mesmo.

Inferioridade e compensaçãohá a inferioridade orgânica, pois, para Adler, cada região do corpo apresenta uma inferioridade básica, inferioridade essa que existe em virtude de herança ou de alguma anomalia do desenvolvimento.

Depois Adler ampliou o conceito, incluindo quaisquer sentimentos de inferioridade, tanto os que decorrem de incapacidades psicológicas ou sociais sentidas subjetivamente, como os que se originam de fraqueza ou deficiência física.

No princípio, Adler correlacionava a inferioridade com feminilidade, cuja compensação ele chamou de “protesto masculino”. Os sentimentos de inferioridade decorrem de um senso de imperfeição em alguma esfera da vida. Adler afirmava que os sentimentos de inferioridade não são indícios de anormalidade; são a causa de todo melhoramento na vida humana.

Sob condições normais o sentimento de inferioridade ou um senso de imperfeição é a grande mola propulsora da humanidade. O homem é impulsionado pela necessidade de superar sua inferioridade e arrastado pelo desejo de ser superior.

Interesse socialcorresponde à verdadeira e inevitável compensação pela natural fraqueza dos seres humanos. É quando a luta pela superioridade torna-se socializada.

Adler acreditava que o interesse social é inato; que o homem é uma criatura social por natureza e não por hábito. Contudo, à semelhança de qualquer outra aptidão natural, esta predisposição inata não surge espontaneamente. Ela torna-se atuante quando orientada e treinada.

É esse interesse social inato que motiva o homem a subordinar o interesse pessoal ao bem-estar comum.

Finalismo de ficção Adler descobriu a idéia de que o homem é motivado mais pelas expectativas do futuro do que por suas experiências do passado. Esses objetivos de ficção eram, para Adler, a causa subjetiva dos acontecimentos psicológicos.

Adler identificou a teoria de Freud com o princípio da causalidade e sua própria teoria com o princípio do finalismo.

“Só o objetivo final pode explicar   a   conduta humana.” (Adler, 1930)

Esse objetivo final pode ser uma ficção, isto é, um ideal impossível de realizar-se mas que é, não obstante, um estímulo real para o esforço humano e para a explanação última de sua conduta. Adler acreditava, contudo, que a pessoa podia libertar-se da influência dessas ficções e enfrentar a realidade quando necessário, o que o neurótico é incapaz de fazer.

Conclusão

Adler interessou-se, especialmente, pelas espécies de influências que predispõem a criança para um defeituoso estilo de vida. Descobriu alguns fatores importantes, como as crianças com inferioridades, as crianças mimadas, as crianças rejeitadas.

As crianças com enfermidades físicas e mentais sofrem muito e têm tendência a se sentir deficientes face às solicitações da vida. Em geral, consideram-se fracassadas. Se, porém, tiverem pais compreensivos e encorajadores, poderiam compensar suas inferioridades e transformar sua fraqueza em força.

Muitos homens famosos começaram a vida com deficiências orgânicas, que depois superaram. Constantemente, e com veemência, Adler levantou sua voz contra os males da superproteção; pois, para ele, esse é o maior castigo que se pode impor à uma criança.

As crianças superprotegidas não conseguem desenvolver sentimentos sociais; tornam-se déspotas, à espera de que a sociedade se conforme com seus desejos egoístas. Adler considerava  isso danoso à sociedade.

A rejeição também produz conseqüências desastrosas nas crianças. Maltratadas na infância, tornam-se adultas inimigas da sociedade. Seu estilo de vida é dominado pela necessidade de vingança.

Essas condições – enfermidade orgânica, superproteção e rejeição  – produzem concepções errôneas sobre o mundo, resultando num estilo patológico de vida.

Bibliografia

–          REIS, MAGALHÂES, GONÇALVES – Alfred Adler e a  psicologia individual, cap.3 In: Teorias da Personalidade, ed. Pedagógica e universitária ltda., São Paulo, 1984.

–          HALL, LINDZEY – Teorias culturalistas: Adler, Fromm, Horney e Sullivan, cap.4 In: Teorias da personalidade, ed. Pedagógica e universitária ltda., São Paulo, 1973.

a partir do texto “Um perverso e a castração” de Carlos Augusto Niceas

Se o perverso já fez a escolha de seu gozo, como o analista poderia intervir para que houvesse mudança em sua perversão?

J. A. Miller, a partir de sua experiência clínica, afirma que “o perverso vem para análise quando não se implica com o que não pode deixar de fazer”. O perverso pode, então, ser um sujeito ético, responsável,, desejoso de responder e testemunhar isso.

Tiago procurou retomar seu tratamento depois de um intervalo de um ano e meio. Ele interrompeu a análise quando se confrontou com a morte próxima de seu pai. Nesse período da análise, Tiago teve uma lembrança de infância inédita: ele estava tomando ducha com um amigo na casa de seus pais. Ambos riam “como loucos” e brincavam de um derrubar o outro, quando sua mãe os surpreendeu e disse que contaria ao pai “as coisas feias” que estavam fazendo. Tiago teve muito medo da reação de seu pai, e de ser castrado por este. Porém, surpreendentemente, o pai contentou-se em fazer o filho prometer-lhe que contaria somente a ele todos os seus pensamentos, sem omitir nenhum, daquele momento em diante. O analista lhe pergunta como entendera a demanda. Tiago responde que entendera que os pensamentos que deveria comunicar ao pai deveriam estar relacionados à sexualidade. Era sempre a mesma confissão: ele acordava no meio da noite com uma ereção e acariciava seu pênis para dormir novamente. Ele estava com 8 anos. Até que uma noite, muito angustiado, Tiago pára de confessar ao pai seus pensamentos íntimos. Inesquecível foi o rosto marcado pelo sofrimento e o olhar de desespero de seu pai na noite da promessa. O pai nunca forçou a confissão ou conversou com o filho. Na verdade, o que o filho mais demandava era que seu pai conversasse com ele.

Durante todo o tratamento, Tiago fazia várias interrupções, sem, no entanto, parecer que havia rompido a ligação transferencial. As interrupções pareciam relacionar-se à demanda do analista de que ele estava ali era para falar. Tiago tinha 24 anos quando começou a análise. Ele estudou jornalismo e pretendia trabalhar com cinema. Morava com os pais e não havia diálogo em casa.

Ele chegou para análise dizendo que passou dois anos em outra análise com uma mesma questão e, por isso, interrompeu-a. Disse que, no sexo, não podia saber se gosta de homens ou de mulheres. Queria falar do sexo como um vício, algo que ele não podia impedir de fazer, como a dependência de drogas. Sem implicação, mas não sem sofrimento. Seu modo de satisfação havia tornado-se sintomático.

Nas entrevistas preliminares, o sujeito organizava seu discurso de modo que manifestasse sua certeza de possuir os meios para se permitir o gozo. Assim, o analista percebeu que o saber do analisante o situava fora de possibilidade de ser surpreendido pela palavra do Outro.

Tiago supunha ao analista um saber sobre as coisas do sexo, um sujeito que soubesse gozar, ao invés do sujeito suposto saber. Por conseguinte, a transferência é usada para desafiar e colocar à prova o desejo do analista, na esperança de capturá-lo em seu jogo. Se isso acontecesse, a transferência viraria um exibicionismo da palavra, onde o sujeito pretendia provar que detinha um saber sobre o agir perverso, com o qual o analista não podia rivalizar.

Em cada retomada da análise, o analista procurava mostrar ao sujeito que ele não estava lá para dividir o analista ou para mostrar quão interessante era seu saber sobre o gozo. Um dia em que o analista disse que seu relato de práticas sexuais era monótono e desinteressante, ele ficou estupefato e, saindo do consultório, disse: “Mas eu não sei falar de amor.”

Para Tiago, o amor tornava o sexo frágil; ele procurava apenas sexo em suas “caçadas”. Ele já avisava de cara para o parceiro: “Eu não faço amor, faço sexo”. Toda palavra, pois, endereçada a ele pelo outro era sinal de convite ao amor. Assim, tornou-se freguês de casas de prostituição, imaginando ser capaz de melhor cumprir sua busca de gozo desviando-se do desejo do Outro.

Tiago dizia que tinha uma impotência mas não física, pois ele fazia sexo, mas uma impotência de não poder rever a pessoa com quem se tinha relacionado.

Em sua posição estrutural na perversão, Tiago vai, a cada encontro, tentar dividir o sujeito do lado do parceiro, ou seja, do lado do Outro, oferecendo-se ele mesmo como instrumento da operação.

Ele paga homens para fazer sexo. Ele os cobre de carícias, toca-os e os leva, pouco a pouco, a gozar como uma mulher num corpo com pênis. Esse é seu triunfo, conseguir essa virada.

É sua impotência de não poder rever seus parceiros que pôde mobilizar o trabalho analítico, sobre a equivalência colocada por ele entre falar e amar, o que o remete ao mutismo de seu pai.

Um dia, através de um lapso, falando do pai, ele o associa ao sexo e à castração. São os significantes de sua infância: a castração esperada por causa da brincadeira com o amigo do banho.

Se sua perversão o faz objetar à castração, instigando-o aos atos que a desmentem, o fato de que ele continua a ir ao analista mostra que, como sujeito do fantasma, ele não está enraizado numa refutação não dialetizável do sujeito suposto saber.

No final, Tiago compreendeu que, fazendo virar seus gigolôs em mulheres, é o amor que ele se arriscava fazer nascer nos seus parceiros, o amor suscetível de virar ódio mortífero. Era seu fantasma masoquista, que o fazia imaginar-se morto pelo parceiro. Como  o diretor de cinema italiano Pasolini, que, porque queria fazer de seu gigolô uma mulher, este o matou.

Bibliografia:

–          NICEAS, C.A. Um pervers et la castration. In: La cause Freudienne. Revue de psychanalyse. Paris, ECF/ACF, nº41, abril, 1999, p.79-84.

O narcisismo é da ordem do imaginário, do sem limites. O conceito de narcisismo introduzido por Freud tem uma conseqüência profunda: uma série de conceitos, tais como ego, defesa do ego, ideal do ego, “agente crítico observador”, etc., serão colocados em gravitação em torno da questão de narcisismo.O narcisismo primário é um processo normal, necessário, que ocorre num determinado momento do curso regular do desenvolvimento libidinal. Esse momento é situado por Freud entre o auto-erotismo e o amor objetal. Somente quando o ego se desenvolve, o indivíduo se torna narcisista. Esta primeira manifestação do narcisismo – denominada de narcisismo primário – é abandonada quando a criança, na impossibilidade de manter-se como seu próprio objeto de amor, volta-se finalmente, para um objeto exterior, desenvolvendo o que se chama de amor objetal.

Compreende-se então, que o narcisismo primário esteja em oposição ao amor objetal, pois somente quando ele termina o sujeito encontra-se em posição de fazer escolhas objetais. Dessa maneira, a superação do narcisismo primário coincide com a realização do desenvolvimento psícossexual. Entretanto, mesmo após uma escolha objetal ter sido feita, o indivíduo pode retornar a um estado narcisista. Esta volta acidental ao narcisismo original, num momento da vida em que se suporia estar ele definitivamente abandonado, foi denominado narcisismo secundário. O estudo do narcisismo secundário e suas produções patalógicas correlatas levou Freud a examinar, de maneira mais precisa, mecanismo da escolha objetal. Ele distingue, então, dois tipos de escolha – anaclítica e a narcisista.

Para Freud, o amor objetal de tipo narcisista é mais característico do sexo feminino. O narcisismo, manifestando-se poderosamente, inflexiona a escolha objetal em direção ao tipo narcisista. Em síntese, o tipo narcisista procura no outro sua própria imagem, ao passo que o tipo anaclítico procura um parceiro do tipo narcisista que o faz gozar de um narcisismo a que ele mesmo já renunciou.

O aparelho psíquico é estruturado, primeiramente, em três instâncias distintas: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente. Entretanto,elas não constituem o único modelo psicanalítico construído com o intuito de compreender a noção de personalidade. Sem, portanto, abandonar a primeira descrição, mais tarde Freud construiu outro modelo, passando a trabalhar com as noções de id, ego e superego com a segunda teoria das pulsões.

O id é o reservatório de energia do indivíduo, ou seja, das pulsões e de tudo o que foi recalcado. É constituído por impulsos instintivos inatos, os quais motivam as relações do indivíduo com o mundo. É o responsável pelo processo primário, mecanismo de gerar imagens correspondentes às pulsões. Diante à manifestação de um desejo, forma, no plano do imaginário. o objeto que permitirá sua satisfação. Um desejo corresponde a uma carência que ,ao ser satisfeita, gerará prazer.

O id funciona pelo princípio do prazer. Busca a satisfação imediata das suas necessidades. O processo primário é sua tentativa alucinatória da satisfação imediata. As interdições virão do ego e do superego, pois o id sempre manterá o desejo de querer, e de querer a qualquer preço.

Inexiste o princípio da  contradição. Como não é dimensionado pela realidade, podem estar presentes desejos ou fantasias mutuamente excludentes dentro da lógica. Á medida que o a  contradição inexiste, toda as coisas são possíveis para do id.

É atemporal, existe a elaboração de uma dimensão única, vivida como presente. Quando sonhamos acordados transformamos em realizações presentes os desejos como perspectivas de realizações futuras.

Não é verbal. Funciona pela produção de imagens. Temos utilizado os sonhos para exemplifica-lo. Mas quando nos recordamos de um sonho, já efetuamos uma elaboração secundária sobre ele, ou seja, já o colocamos no domínio da linguagem.

Funciona basicamente pelos processos de deslocamento e condensação,  processos básicos do inconsciente. Na condensação, agrupamos, dentro de uma imagem características pertencentes a vários processos inconscientes. No deslocamento, as características de uma imagem são transferidas para outra, com a qual o sujeito estabelece relações como se fosse a primeira. O primeiro processo é mitológico; e o segundo, tirado dos casos clínicos de Freud.

Ao sair do útero, a criança precisa enfrentar o mundo. A luta inicial é pela manutensão do equilíbrio homeostático. A amamentação traz o leite que alimenta, as fezes e a urina dejetam os produtos já metabolizados e inúteis.

Logo após o nascimento, a estrutura sensorial mais desenvolvida é a boca. É pela boca que o sujeito se mobilizará na luta pelo equilíbrio homeostático. O seio é o primeiro objeto de ligação afetiva infantil e constitui, inicialmente, parte do objeto de desejo, sendo a mãe o objeto total. Neste momento, a libido está organizada em torno da zona oral.

A segunda etapa surge com a eclosão dos dentes, chamada oral canibalística. Caracteriza-se pelo surgimento da agressividade e é importante para o futuro desenvolvimento social do indivíduo.

A fase anal corresponde ao período de um a três anos e caracteriza-se pelo fato de a criança começar a perceber outros objetos, inclusive o pai. No início do segundo ano de vida, a libido passa da organização oral para a anal. No final da fase, a criança já se encontra bastante diferenciada, possui noção do que é dela e do que é do outro. As fezes são também muito importantes e assumem um papel central na fantasia infantil. Alguns autores as comparam ao valor do dinheiro.

No início da fase fálica, a criança distingue o pai e a mãe, mas não percebe a diferença sexual. A erotização passa a ser dirigida para os genitais, desenvolve-se o interesse infantil por eles. A presença do falo é que distingue o homem da mulher. A erotização genital cria a necessidade de buscar o objeto que permitirá a obtensão de prazer, ou seja, um elemento do sexo oposto. É aprendendo a amar em casa que a criança se tornará o adulto capaz de amar fora.

O complexo de Édipo refere-se a um drama vivido intensamente pela criança num período situado entre o terceiro e o quinto ano de vida. Em plena fase fálica, a criança transfere o interesse total de seu ego para o Falo, que passa então a representa-lo. A partir do falo onipotente, a criança passa a dirigir sua libido para a mãe. A mãe sadia, ao se revelar inteira para a criança, mostra-se também como mulher, isto é, como pessoa que procura num outro o amor genital, que a criança não poderá oferecer-lhe ou substituir. Esta recusa assinala que existe na mãe um espaço afetivo que a criança não pode preencher. É um espaço destinado a alguém outro. Esta recusa foi denominada por Freud como proibição do incesto.

As fantasias infantis de se casar com a mãe, de ser seu namorado ficam vedadas pelo pai. A criança configura o desejo de eliminar aquele que lhe impede o acesso à mãe. Fica então configurado o triângulo freudiano denominado complexo de Édipo. O drama edipiano tem como significado o destronamento do narcisismo infantil. A eliminação do rival, “o desejo de morte em relação ao pai” também fracassa, face à manutensão da “proibição do incesto”. O pai revela-se mais forte que o falo todo poderoso. A criança deverá, então, conformar-se à realidade ou transforma-la a fim de obter a satisfação dos seus desejos. A fissura ocorrida neste narcisismo é vivida pela criança por aquilo que se convencionou chamar de complexo de castração. A criança teme perder o que lhe é mais importante, o falo.

O menino vislumbra o poder do falo nas excitações genitais dirigidas à mãe. No entanto, as pretensões eróticas esbarram na presença paterna, que se revela como rival na disputa pela posse da mãe. Os sólidos laços que mantêm o interesse erótico da mãe pelo pai despertam um profundo ódio na criança. Este ódio se traduz por um desejo de morte do pai. Entretanto, ao triunfar sobre o desejo da criança, coloca-se face ao filho como um ser poderoso e indestrutível. Essa vingança toma a forma, no pensamento infantil, de uma possibilidade de castração. Assim, o menino pensa que a menina não possui o falo porque fora mutilada pelo pai. A figura paterna é temida e, ao mesmo tempo, admirada por sua força e poder. Daí o processo de identificação com o pai. Esta identificação permitirá ao menino resolver o conflito no qual ele se viu inserido. Tal identificação consiste em introjetar as qualidades essenciais do pai, transformando o Ego infantil em função dessas qualidades introjetadas. A criança passa então, ela mesma, a proibir-se aquilo que anteriormente o pai lhe barrava. Em suma, no menino, a castração é responsável pela superação do complexo de Édipo.

A menina vislumbra o poder do falo nas excitações clitorianas e, tal como nos meninos, é para a mãe que são dirigidos seus impulsos eróticos. O interesse pela região genital fará com que ela se interrogue a respeito da diferença anatômica dos sexos, até então despercebidas. A esperança de que o clitóris cresça e se transforme num pênis é logo abandonada. A esta desilusão segue-se uma hostilidade pela mãe, vista que ela foi incapaz de fornecer-lhe um pênis. Se no menino é a castração que faz superar o complexo de Édipo, na menina é pela castração que se inicia o Édipo.

A posição feminina é particularmente árdua: não só ela se vê obrigada a deslocar a zona erógena do clitóris para a vagina como também a trocar o objeto de amor materno pelo paterno. Finalmente, é identificando-se com a mãe que a menina passa a assumir uma identidade feminina e buscar, nos homens, similares do pai.

Com a repressão do Édipo, houve de início a repressão da energia sexual. É preciso que ela seja canalizada para outras finalidades. Estando os fins eróticos vedados, ela é canalizada para o desenvolvimento intelectual e social da criança. A este processo de canalizar uma energia inicialmente sexual em uma energia mobilizadora chamamos de sublimalção, mecanismo de defesa mais evoluído e é característico do indivíduo normal. Ao período que sucede a fase fálica, chamamos de período de latência, que se caracteriza pela canalização das energias sexuais para o desenvolvimento social, através das sublimações. Não há nova organização de fantasias básicas, a sexualidade que permanece reprimida durante este período, aguarda a eclosão da puberdade para ecludir.

Segundo Freud, o homem normal era aquele capaz de “amar e trabalhar”. Alcançar a fase genital constituiria atingir o pleno desenvolvimento do adulto normal. As adaptações biológicas e psicológicas foram realizadas. Desenvolveu-se intelectual e socialmente, sendo capaz de amar no sentido genital amplo. É capaz de definir um vínculo heterossexual significativo e duradouro, além de capacidade orgástica plena. A perpetuação da vida é sua finalidade última. Produzir é, num sentido amplo, sublimação do gerar. A obra social seria, então, derivada da genitalidade.

(continua…)

A utilização do método catártico e hipnótico de Breuer logo trouxe problemas. Os tratamentos fracassavam devido ao fato de que a cura só durava até que a pessoa voltasse à sua consciência; e, além disso, muitos pacientes não conseguiam ser hipnotizados. Freud deduziu que se um fato tão significativo não podia emergir senão com muito esforço, era porque havia uma força que se opunha à sua percepção consciente. Freud chamou essa força de resistência, que só pôde ser descoberta e compreendida após o abandono da hipnose.

Quando era dada ao hipnotizado uma ordem que ele não podia cumprir, ele acordava abruptamente do transe, bastante incomodado, e tornava-se, em seguida, resistente a entrar em nova hipnose. Em síntese, se a hipnose era capaz de fazer surgir algumas pequenas atitudes que geralmente o paciente não as teria  quando sentindo-se ameaçado,  ele não só se recusava a cumprir as ordens como tornava-se particularmente resistente ao procedimento. Isso fez com que Freud abandonasse a técnica da hipnose.

A tarefa do médico seria, então, utilizar a hipnose como um bisturi. O método de penetrar o psiquismo e criar condições para que o trauma ressurgisse à consciência, fora do estado de ‘absence’, quando então poderia ser experienciado com toda a carga afetiva que não pôde ser vivida na hora traumática, ficou conhecido como o método catártico.  Freud, após um certo tempo, o abandonou.

O processo ocorre  mais ou menos assim: a homeostase, mantida pelo princípio de constância, evolui com o surgimento do princípio de Nirvana (que tende a exigir tensão zero) . A energia livre(afetiva) liga-se a alguma idéia ( representante ou conteúdo ideativo) – processo primário, o mais próximo do que depois perderá a característica de substantivo (O Inconsciente) e  aparecerá ligado a algum outro conteúdo aceito pelo sistema (com a característica de qualidade Inconsciente , Pré-Consciente ou Consciente) – processo secundário.

Uma força  mantia essa percepção de acontecimentos cuja dor o indivíduo não poderia suportar de imediato inconsciente ( a mente não sabe que sabe). Essa força foi  denominada recalque.

A descoberta da resistência e do recalque marcaram a ultrapassagem de um modelo estático do trauma para um modelo dinâmico, de jogo de forças.

Por motivos éticos e estéticos, o consciente não suportava a percepção de uma vivência e a mantinha  inconsciente. A resistência bloqueava essa percepção, índice inexplicável de que a mente sabia o que não queria saber.

Freud fez o que, cf. o « Vocabulário de psicanálise » Laplanche e Pontalis, chamou-se de “a viragem” do modelo psicanalítico. Os conceitos tópicos de consciente e incosciente cederam lugar a três  novos constructos, que constitui o modelo dinâmico da estruturação da personalidade: id, ego e superego.

Freud elaborou a primeira teoria das pulsões, que as dividia em as de auto-conservação e as sexuais. As pulsões de auto-conservação teriam como objetivo a preservação da vida do organismo. A ausência prolongada de sua satisfação seria letal. Essas pulsões se aliam ao princípio de realidade e são percebidas pelo pensamento consciente e racional. Já as pulsões sexuais teriam como objetivo a preservação da vida da espécie. A ausência prolongada de sua satisfação não seria letal. Essas pulsões se aliam ao princípio do prazer e são percebidas pelo pensamento inconsciente ou fantasia.

Essa teoria foi abandonada e surgiu a segunda teoria das pulsões, que as dividiu em: as pulsões de vida e as de morte. A pulsão de vida visa a preservação da vida do organismo e da espécie. Ela é conjuntiva e construtiva e preside à organização e diferença das formas. Outras de suas características são a heterogeneidade e a entropia negativa(morte térmica), manifestando-se como o amor, a solidariedade, generosidade e outras formas positivas.

Já a pulsão de morte visa a destruição da vida do organismo e da espécie. Ela é disjuntiva, destrutiva e preside à desorganização e dissolução das formas. Outras de suas características são a homogeneidade, a entropia positiva, manifestando-se como ódio, agressividade,  masoquismo,  sadismo,  culpa , fracasso…

A estrutura da personalidade é formada por quatro fases de desenvolvimento e um período de latência.

A fase oral corresponde à idade por volta de zero a dois anos e  é subdividida em fase oral de sucção – de zero a seis meses, e oral canibalística – de seis meses a um ano mais ou menos.

(continua…)

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